Arqueólogos já não perdem tempo com a lenda do continente perdido. Estão bem mais interessados em ruínas de cidades que hoje estão debaixo d’água, naufrágios históricos e cavernas alagadas.
Por: Super Interessante - Texto: Mariana Sgarioni
Por mais que seu “escritório” seja uma imensidão azul, os arqueólogos subaquáticos passam boa parte do tempo em situações extremamente claustrofóbicas. Quando não estão se esgueirando nos destroços de um naufrágio, estão mergulhando numa caverna ou ficam horas literalmente enlatados em algum tipo de veículo submersível. Parecem coisas de aventureiro, não é verdade? Mas são “apenas” pesquisas científicas. Esse arqueólogo trabalha como qualquer outro, usando os mesmos conceitos e procedimentos adotados fora d’água. Com uma diferença: é preciso saber mergulhar.
Graças a essa fachada aventureira, arqueólogos subaquáticos freqüentemente são confundidos com caçadores de tesouros, piratas modernos que ganham a vida encontrando galeões naufragados e vendendo tudo que conseguem retirar deles. Para sorte do patrimônio histórico da humanidade, no entanto, o trabalho desses profissionais da arqueologia é outro: entender e preservar os incríveis sítios submersos que foram localizados nas últimas 5 ou 6 décadas. Eles já não se preocupam com a busca pelo mítico continente de Atlântida nem se dedicam apenas à exploração de naufrágios. Na verdade, quase sempre dão apoio às pesquisas levadas a cabo pelos colegas em terra firme. Exemplo: o carregamento de ânforas de um naufrágio fenício, ao ser descoberto no Mediterrâneo, pode ajudá-los a descobrir rotas comerciais da Antiguidade sobre as quais não se tinha notícia. Os dois ramos da ciência trabalham juntos – um no seco, o outro dentro d’água.
DE COUSTEAU AO TITANIC
Se por um lado o ambiente subaquático oferece riscos e impõe uma série de limites, por outro ele costuma ser garantia de descobertas espetaculares. A ausência do ar, temperaturas mais baixas e pouca ou nenhuma luz natural são fatores que colaboram para a preservação de muitos artefatos. Em compensação, é preciso ter extremo cuidado na hora de retirá-los da água. Submersos há dezenas, centenas ou milhares de anos, alguns deles podem simplesmente se desintegrar ao ser removidos. A coleta pode ser feita pelos próprios arqueólogos, manualmente, ou com a ajuda de equipamentos de última geração, como computadores de visualização e robôs comandados a distância.
Quem deu o pontapé inicial no desenvolvimento de equipamentos para a arqueologia subaquática foi o oceanógrafo francês Jacques Cousteau, em 1943, quando desenvolveu, com o engenheiro Emile Gagnan, a aparelhagem de respiração a partir do ar comprimido contido num cilindro. O Aqua-Lung (pulmão aquático), como foi batizado, permitiu aos arqueólogos investigar bem de perto o que antes eles só podiam imaginar. Desde então, cientistas vêm desenvolvendo as mais variadas técnicas para descer cada vez mais fundo. Hoje, há equipamentos que permitem investigações arqueológicas a mais de 6 mil metros de profundidade, como os desenvolvidos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA. O Departamento de Pesquisas de Arqueologia em Águas Profundas daquela instituição especializou-se em inventar sensores, câmeras e robôs que levam a ciência a lugares onde a pressão é mortal e o homem jamais chegaria.
Um dos achados arqueológicos mais importantes dos últimos tempos foi feito justamente com a ajuda de um desses aparelhos. No mar Negro, fotos e vídeos trouxeram à tona vestígios de presença humana há mais de 7 mil anos. Quem estava à frente da expedição era o oceanógrafo americano Robert Ballard, que, em 1985, tornou-se mundialmente conhecido por encontrar o naufrágio Titanic no Atlântico Norte. Para ele, a grande descoberta, quando acontece, tem o efeito de um nocaute. “É como levar dois socos em seguida, algo meio esquizofrênico”, diz o explorador. “No caso do Titanic, esse segundo soco veio no momento em que vi todos aqueles sapatos espalhados pelo interior do navio. Os corpos se vão, mas os sapatos continuam inteiros. Até em naufrágios romanos ainda é possível ver sandálias. São imagens emocionantes.”